Os ingênuos que julgam o passado morto precisam ler urgentemente a História de Nossos Gestos, de Luís da Câmara Cascudo. Lição de antropologia, evocação histórica, registro folclórico, escrito com a leveza de uma pluma caindo e a erudição de um sábio alemão, o livro, distribuído em 333 capítulos brevíssimos, mostra a perpetuidade muitas vezes milenar de nossos gestos, a primeira linguagem humana, moedinhas de circulação diária cuja data de cunhagem ignoramos, alguns remontando à aurora dos tempos históricos, há 3, 4 mil anos. O Gesto é anterior à Palavra. Dedos e braços falaram milênios antes da Voz. As áreas do entendimento mímico são infinitamente superiores às da comunicação verbal. A Mímica não é complementar mas uma provocação ao exercício da oralidade. Sem gestos, a Palavra é precária e pobre para o entendimento temático, observa Cascudo. Quem poderia imaginar que o simples ato de esfregar as mãos, como sinal de alegria, tenha nascido nos sacrifícios de gratidão aos deuses, há milhares de anos? O V da vitória, popularizado pelo primeiro-ministro inglês Winston Churchill, durante a Segunda Guerra Mundial, e tão usado hoje pela geração paz e amor, era o gesto executado pelo gladiador ferido na arena romana, há 2 mil anos, pedindo perdão. Esticar a língua para fora da boca, como sinal de zombaria, constituía uma atitude velhíssima há 2 mil anos, quando o poeta Pérsio o registrou. A assistência que bate palmas para um artista repete um gesto praticado em Babilônia, há mais de três mil anos, significando então um pedido de proteção aos deuses. Há também gestos típicos brasileiros, sem similar em parte alguma, como o ato de dobrar o dedo indicador em anzol, que se executa para o papagaio pousar os pés, dirigindo-o à pessoa que fala demais. Simples, provocativo, mais eloqüente do que mil palavras.